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Foto do escritorJoão Marcos Albuquerque

Clara Sola (2021) - Crítica

Atualizado: 30 de jun. de 2022

A repressão sexual, física e psicológica da protagonista já anuncia o que está por vir, e é aqui que o filme tem a chance de surpreender, mas não o faz.

Ao escolher os caminhos mais previsíveis, não escapa ao clichê: sabemos que, em toda história onde há uma protagonista sendo coagida e reprimida, vai dar merda. E a merda acontece numa espécie de homenagem a Carrie - o que é bem legal, mas só aumenta a expectativa.


A derradeira libertação da personagem vem com a quebra das normas que lhe são impostas, e, de forma acertada, numa espécie de assassinato místico, acompanhado de suicídio. A protagonista culpa a virgem Maria pelos seus infortúnios, e não aquela que usa a virgem Maria como instrumento para a reprimir, que é a matriarca, sua avó.

Nisso, o filme consegue trazer um elemento interessante para a história, que é o conceito de “ideologia” segundo a tradição marxista. Ideologia é aquilo que mascara, que esconde, que obstrui o acesso a verdade. A culpa é da virgem Maria ou da sua avó? A protagonista está tão imersa na ideologia que não consegue enxergar além das crenças que lhe foram impostas. O processo de subjetivação levado a cabo por sua avó foi tão violento que a prendeu na realidade que sua própria avó criou.


Por que a avó trata a Clara desta forma? Por egoísmo? Por acreditar que é o melhor caminho? Independente da razão, sua avó também está imersa numa rede de crenças. E assim o filme tenta esboçar um panorama cultural e religioso da vida rural na Costa Rica, extrapolando os limites do círculo familiar, mas de forma tão genérica que não vai muito além, ficando no lugar comum, aquele no qual a religião torna as pessoas conservadoras e repressoras. Por isso a libertação vem do ato da destruição da estátua da virgem, e de seu suicídio. Um ato iconoclasta, sem duvida. Sugere uma revolta da Clara contra a religião. Mas: a religião é, por si só, o problema? Ou o problema é a forma pela qual a religião é institucionalizada e operada?


Não é por Clara ser especial que ela destrói a estátua da virgem e se mata, no sentido de ser ingênua a ponto de não perceber que o problema é a manipulação, institucionalização da religião, confundindo o objeto (estátua) pelo sujeito da ação (avó). Clara destrói a estátua e se mata assim como qualquer um, quando imerso em uma ideologia, o poderia fazer. O fato de Clara ser especial, portanto, acaba por prejudicar a realização desta ideia - a de que a institucionalização da religião, suas raízes nas entranhas familiares, em toda uma comunidade, é o que oprime, reprime e mata.


Seria melhor, portanto, para realizar esta ideia, se Clara fosse uma pessoa “comum”, pois deixaria mais claro que o problema central da trama - a repressão por via religiosa e familiar - é um problema que assola toda a comunidade, e não apenas uma pessoa em particular com condições especiais.


Se o suicídio e a queima da virgem são, na minha opinião, acertos, a condição peculiar da protagonista é um problema a realização efetiva da mensagem central da narrativa. Dessa forma, o filme perde seu poder metafórico e de potência universal, para se reduzir a um clichê limitado no espaço e no tempo.

A repressão é o que torna Clara atípica. A repressão, por sinal, é bem construída e representada: está no corpo encolhido, retorcido - na corcunda da Clara-, na descoberta da sexualidade após os trinta anos, na comportamento calado, retraído, dos olhos que não encaram, apenas desviam. Porém, não lhes parece, que o fato dela ser especial - especial no sentido de “ter poderes” - é um recurso fácil demais para justificar a repressão causada por sua avó? A avó associa os poderes especiais - os milagres - de Clara a sua devoção da Virgem Maria. Associação concluída. Assim, o filme dispensa, de forma simplista, qualquer tipo de construção psicológica e/ou social mais complexa, pois ja está tudo justificado de antemão através do recurso “ela é especial, tem poderes, ela se comunica com a virgem Maria”. Imaginem se ela não tivesse poderes: como seria criada e justificada a repressão?

Veja bem. Não tenho absolutamente nada contra a inserção de elementos fantásticos em uma narrativa realista, desde que o fantástico agregue. Em Clara Sola, o fantástico, assim me parece, serve apenas para justificar os atos, e não para construir a ação. Assim, o fantástico perde suas características mais interessantes, como a criação do mistério, da duvida, do estranhamento, do não-comunicável, ininteligível, para se tornar aquilo de mais medíocre, que é o uso do fantástico pra explicar, justificar, tornar razoável e inteligível.


Mais uma história de alguém especial que é reprimido e se fode, com tentativas frustradas de fazer uma crítica social mais abrangente, porém, caindo ela mesma num clichê que a limita e atrapalha.


Clara Sola

Costa Rica - 2021 - 1h 46min

Direção: Nathalie Álvarez Mesén

Roteiristas: Maria Camila Arias e Nathalie Álvarez Mesén


Avaliação:

***

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