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Nhà Cây

Como é bonito o filme etnográfico e filosófico “The Treehouse”.


Um habitante de Marte, recém-chegado da Terra, resolve fazer um filme sobre seu novo planeta. Mas quando pega seu material para iniciar as filmagens, se depara com os vídeos antigos, arquivados em suas máquinas cinematográficas. Portanto, resolve editar o material encontrado ao invés de gravar seu novo mundo.


O material são gravações de comunidades indígenas do Vietnam, principalmente os Kor e os Ruc, que vivem nas montanhas e em cavernas, respectivamente. As gravações são conversas entre o diretor e algumas pessoas selecionadas destas comunidade.


Acompanhamos diálogos que nos apresentam aos modos de vida, as filosofias e costumes destas comunidades, cujas línguas nativas estão a ponto de sumir, devido a intervenções estatais e demais fatores. Vamos entender porque alguns deles foram morar nas cavernas, outros em casas nas árvores, e porque outros foram coercitivamente conduzidos para a vida urbana. Portanto, o filme também vai traçar um panorama histórico do Vietnam a partir destas vivências indígenas, marginalizadas e manipuladas tanto pelos estadunidenses durante a guerra do Vietnam, quanto pelo próprio governo local.


Uma das entrevistadas é uma mulher que nasceu e cresceu em uma caverna com sua família. Ela relata se lembrar do momento em que nasceu, dos seus primeiros dias de vida, o que deixa o diretor incrédulo, questionando se ela realmente se lembra ou se está criando lembranças a partir da memória coletiva da comunidade, que é passada de geração em geração através da oralidade. Com este mote, o diretor irá filosofar sobre a memória, e sobre o papel das documentações “ocidentais” para o registro histórico. O que seria da memória ocidental sem a fotografia, sem o texto, sem o cinema? Ele coloca em contraste estas duas formas de trabalhar a história e a memória - a indígena e a ocidental - e somos apresentados a reflexões profundas, com implicações políticas, sobre o modo como interpretamos e vivemos nossas vidas.


Outros entrevistados são pai e filho, que passaram a maior parte de suas vidas isolados de suas comunidades, numa casa em cima de uma árvore - daí o título do filme. Ambos fugiram das destruições causadas pela guerra do Vietnã, e se refugiaram na mata. Tanto tempo em isolamento social fez com que esquecessem de suas próprias línguas nativas, por falta da necessidade de comunicação oral entre ambos.


O filme resgata vídeos históricos das invasões estadunidenses no Vietnã, gravados pelos próprios soldados dos EUA. Neste momento, o diretor indaga sobre o uso da câmera cinematográfica como arma de guerra. E se pergunta se não estaria fazendo o mesmo ao entrevistar estes habitantes agora, no Vietnam do presente. Uma inquisição necessária, e que deveria perturbar eticamente a todos que trabalham com cinema, afinal, registrar, editar, manipular estas imagens, e contar uma história a partir do seu ponto de vista, é até que ponto um ato de violência para com os entrevistados? O que significa transformar sujeitos em personagens? É possível fazer cinema sem violência?


Estas questões ficam explícitas quando o diretor grava as casas dos mortos, pequenas construções erguidas pelos indígenas para enterrar seus entes queridos. Por um bom tempo, os vivos visitam os mortos em suas casas, levando comida, conversando, chorando - são assim que eles encaram o luto. Mas gravar o vivo, conversando com seu parente morto, dentro da casa dos mortos, ganha uma entonação invasiva, agressiva, pois presenciamos ali, na intimidade daquele momento, todo sofrimento, saudade e amor dos que ficaram para aqueles que se foram.


O filme “The Treehouse” vai abordar diversas questões filosóficas a partir de um prisma antropológico, etnográfico, e somos conduzidos pelo diretor a entrar nestas culturas, nestas cosmologias tão diferentes e inacessíveis - já que são pouquíssimos os membros destas comunidades ainda vivos, com uma língua a ponto de se extinguir. Somos levados pelo diretor a adentrar seus mundos, e com isso ele nos levanta questões espinhosas, relacionadas a nossa cosmologia, mas tudo de uma forma solene e poética, cheia de beleza e de sinceridade.


Nhà Cây

Direção e Roteiro: Minh Quy Truong

Vietnã, Singapura, França, Alemanha e China - 2019 - 1h 24min


Avaliação:

4/5



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