top of page

Dream Scenario - Crítica

A palavra-chave aqui é constrangimento. Nisso, me lembrou a série The Curse, de um grande artista do constrangimento, Nathan Fieldler. As ações e reações do protagonista, assim como as situações a qual ele é encurralado, são (muito) constrangedoras - com destaque para a memorável cena da ejaculação precoce acompanhada por uma flatulência. O constrangimento vai de mãos dadas com certo “horror” ou grotesco-bizarro, o que acentua o tom de estranhamento provocado pela obra, mas que nunca atinge um grau mais elevado, como em “Sick of Myself”, obra prévia d diretor Kristoffer Borgli. O estranhamento tem, no cinema, grande potencial alegórico e metonímico. Mas não é muito o que vemos acontecer por aqui (falo mais sobre isso nos parágrafos finais).


Em se tratando de estranhamento, o estilo de Borgli me lembrou bastante o de Yorgos em seus últimos filmes, porém com maior economia dos meios. Enquanto Yorgos abusa das trocas de lentes e angulações inusitadas, Borgli é mais sóbrio do ponto de vita estilístico, mas nem por isso menos “estranho” em seus registros. O zoom in gradual e constante, que imprime um ritmo e uma continuidade nos planos e contraplanos, é uma técnica empregada tanto em Pobres Criaturas quanto em Dream Scenario, e traz essa sensação esquisita de nos aproximar cada vez mais do personagem e do constrangimento a qual ele está se impondo involuntariamente ou sendo imposto por terceiros. Cria-se um senso visual de proximidade através do zoom in que potencializa a sensação de constrangimento nos espectadores – estamos perto demais, o que aflora o sentimento de vergonha alheia.


Aliás, Borgli é eficiente em construir seu protagonista logo de início, se utilizando do clichê do professor-intelectual-inseguro sem, no entanto, se acomodar no clichê. Na verdade, o clichê serve para começar o filme e assim introduzir o personagem em pouco tempo, o que possibilita a Borgli se imiscuir na criação e gestão dos constrangimentos por mais tempo. O problema nunca foi começar com o clichê, mas sim terminar no clichê. E dessa crítica Borgli está a salvo.


O estranhamento pelo qual a narrativa e o estilo são mobilizados tem a capacidade de nos fazer questionar o familiar. Não saía da minha cabeça a ideia de que o processo pelo qual o protagonista atravessa lembra muito o processo pelo qual o racismo opera. O protagonista não tem culpa nem controle sobre as acusações e o ódio que recaem sobre ele, assim como a população negra (e outras minorias) não tem nenhuma ingerência pelo preconceito imposto a eles devido ao racismo estrutural. A racialidade opera num registro similar ao dos sonhos para o protagonista, o que mostra o quanto de delírio e paranoia constituem o racismo. Mas a proposta do filme não é a de se aprofundar em qualquer tipo de pensamento crítico a respeito do funcionamento social, a não ser um flerte efêmero com a ideia de cancelamento nas mídias digitais, que é pouco explorado e fica apenas na sugestão.


A parte final a respeito da intromissão nos sonhos pelos novos influenciadores “oníricos” também é explorada de forma leviana e por isso mesmo merece pouca atenção. No mais, lembrou-me o livro do filósofo Jonathan Crary, “24/7”, onde ele pontua que a última barreira para o capitalismo em seu estágio atual é o sonho. Mas até quando o sonho ainda será (se é que ainda é) um território de resistência? Nesse sentido, penso em Davi Kopenawa, quando o mesmo nos diz que o homem branco não sabe sonhar, pois seus sonhos são, na maioria, sobre bens materiais.


O filme, portanto, joga várias ideias no ar, mas pouco faz para dar consistência a estas ideias.

 

Comments


bottom of page