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O Espaço Vazio na Imagem Cinematográfica

  • Foto do escritor: João Marcos Albuquerque
    João Marcos Albuquerque
  • 20 de mai.
  • 3 min de leitura

No cinema clássico, o espaço da imagem é construído segundo princípios de centralidade e equilíbrio. A organização do quadro busca dispor os elementos principais de forma clara e harmônica, centralizando a ação ou os personagens na composição visual. Nosso olhar é conduzido por uma lógica narrativa transparente e contínua — aquilo que David Bordwell definiu como as características fundamentais do "sistema clássico" de representação. O espaço, nesse modelo, serve para sustentar a ação e a legibilidade da história, orientando o espectador sem ruídos ou ambiguidades.


O que chamamos de “espaço vazio” não é a ausência de elementos no quadro, mas a ausência momentânea de figura humana ou de ação no ponto de interesse da composição. Esse vazio, quando se manifesta no cinema clássico, nunca é gratuito: é funcional. Serve para preparar a entrada de um personagem ou antecipar uma ação. O espaço é construído para ser preenchido e, quando aparece “vazio”, é apenas uma pausa breve antes da restauração do equilíbrio visual e dramático da cena.


No Cinema clássico existem as exceções. Yasujiro Ozu incorpora em sua mise-en-scène os “pillow shots”: planos intersticiais, muitas vezes de objetos imóveis. Esses planos não estão ligados à progressão do enredo. O vazio aqui não aguarda preenchimento: ele é ritmo, contemplação e silêncio. O espaço ganha autonomia, permitindo ao espectador sentir o tempo: um tempo suspenso que carrega a memória do que passou e a expectativa muda do que está por vir. Em Cat People (1942), Jacques Tourneur usa o espaço vazio como fonte de tensão. Na célebre cena da perseguição, o uso do espaço vazio nos direciona para o fora de campo. Sabemos que o monstro persegue sua presa, mas não o vemos. A ameaça reside no que não está na imagem, e o espaço vazio se transforma em campo de projeção do medo.


A partir da modernidade cinematográfica, especialmente a partir dos anos 1950-60, a construção espacial clássica é profundamente transformada. O espaço deixa de ser apenas organizado pela centralidade e o vazio passa a adquirir densidade expressiva própria. Um dos principais expoentes dessa mudança é Michelangelo Antonioni. Em seus filmes, como A Aventura (1960) e O Eclipse (1962), o espaço vazio torna-se um elemento essencial.


Se analisarmos qualquer filme da famosa Trilogia da Incomunicabilidade de Antonioni (A Aventura, Eclipse e A Noite), veremos ambientes amplos, desproporcionais às figuras humanas, e a ausência de um centro organizador da imagem, dando ênfase e peso ao espaço vazio. O vazio, em Antonioni, expressa o esvaziamento existencial, a falência das relações humanas e a alienação no mundo moderno.


Wong Kar Wai retoma e radicaliza essa operação no cinema contemporâneo.

Em filmes como Amores Expressos (1994) e Amor à Flor da Pele (2000), o espaço vazio adquire ainda mais protagonismo. Seus personagens são constantemente deslocados para as bordas do quadro. O vazio em Wong ganha uma dimensão onírica: é um vazio afetivo, marcado pela ausência de quem desejamos, pelo vácuo que acompanha a interrupção de um sonho.


Em síntese: no cinema clássico, a imagem é equilibrada, centralizada e organizada para servir à narrativa. Em alguns filmes do cinema moderno e contemporâneo, o espaço vazio se torna parte ativa do drama: ele expressa o que os personagens não conseguem dizer, revela o que a ação narrativa não explicita. O vazio, assim, se transforma em elemento expressivo.


 
 
 

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