Durante a ditadura militar, o gênero conhecido como pornochanchada foi o mais produzido e assistido no país.
A pornochanchada é tida pelo senso comum como um tipo de produção em conformidade com a política e as regras estabelecidas pela ditadura, para assim não cair na censura. Caracterizada por cenas de nudez, sexo, e diálogos que mesclam pornofonia e humor escatológico, o gênero foi então deixado de lado, desprezado, até mesmo esquecido e perdido, com a reabertura democrática do Brasil e o retorno, gradual, de um cinema com maior liberdade de expressão. A pornochanchada ficou pra história como um cinema vergonhoso, de baixíssima qualidade, vulgar e apelativo. Uma mancha na história do Cinema brasileiro, confundindo-se com a própria história da ditadura.
O filme “Histórias que nosso Cinema (não) contava” vem para questionar este estigma. Sem narração, apenas reproduzindo as próprias cenas das produções do período, o filme mostra como a pornochanchada conseguia driblar a censura e apresentar, sim, diversas críticas ao sistema vigente.
Na montagem realizada com maestria pela diretora Fernanda Pessoa, vemos estes filmes abordando temas “proibidos” , usando e abusando da ironia, do sarcasmo, e de outros subterfúgios, para fazer a crítica sem cair na malha fina da ditadura. É assim que vemos os filmes abordando questões como o “milagre econômico”, o desemprego, a fome, a violência estatal, liberdade sexual, homofobia, racismo, machismo, incesto e estupro conjugal na família tradicional brasileira defensora da moral e dos bons costumes, e muito mais. Um verdadeiro banquete que passou despercebido pelo olfato e papilas gustativas da ditadura.
Vou destacar apenas um pequeno momento, em que a polícia invade a casa do cidadão para apreender materiais perigosos - livros. Descobrem na prateleira do cidadão o livro “Dez dias que abalaram o mundo”, um clássico de John Reed sobre a revolução russa. Ao descobrirem o livro, algemam e levam preso o cidadão, que retruca: “nunca li este livro” - dando a impressão de que nem sabia do que se tratava a obra. Bem, ao chegar na delegacia, um oficial de escalão superior o interroga. Nisso, o cidadão diz: “mas senhor, este livro foi escrito por um americano!”. Bem, o oficial aceita isso como razão suficiente, se desculpa e libera o cidadão: “me desculpe pelo engano, os americanos são nossos amigos, mas tome mais cuidado com os livros que o senhor tem em casa. Melhor ainda: não tenha livros em casa. O melhor é não ler”.
Excelente filme sobre este período terrível da nossa história, contado com sabedoria e sagacidade através de sequências criteriosamente selecionadas de filmes da pornochanchada.

As histórias que nosso cinema (não) contava
Direção e Roteiro: Fernanda Pessoa
Cristóbal León
Brasil - 2017 - 1h 20min
Avaliação:
4/5
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