O cinema mainstream apresenta uma série de características em comum que são reproduzidas em seus filmes há décadas, levando à consolidação de um modelo de se fazer cinema. Vou elucidar à seguir algumas destas características através da Montagem de Continuidade e do seu uso dos planos, para então mostrar como, a partir da linguagem cinematográfica, o cinema convencional produz um espectador ansioso.
Na linguagem do cinema, um plano pode significar tanto o tipo de enquadramento (plano geral, plano americano, close-up etc.) quanto a extensão do filme entre um corte e outro. Por agora me refiro ao plano na sua segunda acepção. A duração média de um plano no cinema mainstream é de 2,5 segundos: a cada 2,5s há um corte.
Os planos são articulados em uma sequência lógica na montagem (edição). Um filme, portanto, é composto pela montagem deste conjunto de planos. É assim que temos acesso a estória. Porém, eles são tão curtos (2,5s) que o plano em si não importa tanto quanto a sequência dos planos, gerando uma expectativa constante pelo plano a seguir. Quando há o corte e muda-se de plano, muda-se o que estamos vendo, e como estamos vendo (a câmera pode mudar de posição e de enquadramento). Numa cena de diálogo, por exemplo, utiliza-se a linguagem do plano/contraplano - a alternância na montagem para sempre vermos o rosto de quem está falando. Essa é uma das técnicas utilizadas no cinema para guiar o nosso olhar.
Imaginem uma cena onde uma menina entra no seu quarto para pegar seu diário. Primeiro, temos um plano aberto do quarto, para nos ambientar no espaço. Depois um plano médio da menina levantando o travesseiro, pois é embaixo dele que ela guarda o diário. Ao levantar o travesseiro, ela não encontra o diário. Corte para um close-up no rosto atônito da menina. Percebeu como fomos guiados?
Tudo que descrevi até então faz parte do que chamamos de "Montagem de Continuidade", a forma padrão para montar um filme no cinema convencional. Destaquei dois elementos constituintes desta montagem: a duração dos planos (e a alta velocidade dos cortes) e a mudança dos planos (o que vemos e como vemos).
A velocidade dos cortes imprime um ritmo acelerado, gerando expectativa para sabermos o que vem a seguir no próximo plano, que irá nos revelar o significado do que vemos. Sabe quando você, mesmo não gostando do filme, quer ficar até o final para saber o que acontece? Pois bem. Sua cabeça está no futuro, não no presente. E como que o plano seguinte irá nos revelar o significado do que vemos? Guiando nosso olhar, nos conduzindo como se segurasse nossas mãos. Portanto, a montagem de continuidade tem como efeito a criação de um espectador ansioso, tanto pelo próximo plano, como por ter seu olhar direcionado.
Nesta dinâmica, o espectador nunca está com sua atenção no momento presente, pois sempre ansioso pelo que vem no futuro. E mais: a este espectador é negado autonomia e liberdade, pois ele não tem tempo (2,5s de plano) nem espaço para perscrutar a imagem a seu bel prazer, já que ele é direcionado pela montagem e pelo que os planos dão a ver (campo de visão fechado).
O Slow Cinema trabalha a montagem de outra forma. A duração do plano é longa, pois o que importa é o plano presente, não o plano porvir. O enquadramento costuma ser mais aberto, ampliando nosso campo de visão, já que a cena se desenvolve toda dentro de um mesmo plano, sem cortes para guiar nosso olhar. Assim, o espectador é estimulado a dedicar sua atenção ao tempo presente e a perscrutar livremente a imagem, pois agora tem tempo e espaço para tal. Daí o caráter contemplativo do Slow Cinema.
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