Imaginem que, ao invés de cantar no karaokê, assistíssemos a um filme no karaokê? Foi mais ou menos isso que senti ao assistir essa maravilha aqui.
O karaokê, tão tradicional na cultura japonesa, tem uma estética particular - sons e imagens peculiares ao dispositivo. Mas não me refiro unicamente à estética quando digo que o filme em questão é um Filme-Karaokê.
Estou acostumado a ver o karaokê, representado no cinema japonês, como um agregador de famílias; de amigos; de bêbados e solitários, também. O karaokê como essa instância que reúne ao seu redor, que congrega, seja para cantar, sorrir, comemorar, chorar ou exorcizar.
É sobre isso o filme do Miike, no plano da narrativa. Os Katakuri só desejam, juntos, viver as aventuras e emoções que a vida lhes proporcionar. Porém, conceitualmente, no plano formal, o filme transborda, ultrapassa.
The Happiness of the Katakuris é um filme livre, e a liberdade compõe cada plano da obra. Como um filme livre, é descompromissado.
Cinema sem compromisso. Ou melhor: com um único compromisso, assim como os Katakuri. Se para a família Katakuri o compromisso é se manterem unidos, para Takashi Miike o compromisso é brincar com o cinema. Dimensão essa perdida, esquecida, ou até mesmo menosprezada, ocultada, rebaixada.
O filme brinca com as convenções de gênero e subgênero, experimentando transitar, sem vergonha, de um ao outro. O filme brinca com as convenções técnicas, com o roteiro, com as expectativas do espectador: nos momentos de horror, desponta uma música feliz, uma cantoria alucinada; quando determinado evento parece desafiar os limites da representação, surgem os bonecos de massinha em stop-motion, que tornam tudo possível no plano da realização; quando qualquer dilema, disputa ou conflito familiar entra em cena, é resolvido na base da galhofa - nada é levado a sério, a não ser o próprio ato de brincar.
O importante, portanto, é brincar de fazer cinema, tornando o próprio cinema seu brinquedo. E como em todo brinquedo, ou brincadeira, o que prevalece é a imaginação, a criatividade. O limite é definido apenas pelo seu poder de fabulação. E como em toda brincadeira, os sentimentos que prevalecem são da ordem da alegria, do entusiasmo, do bom humor.
The Happiness of the Katakuris é o cinema como brinquedo, como parque de diversões, como playground. E como diz o ditado: “quem não sabe brincar, não desce pro play”.
Viva o mestre Takashi Miike.
A Felicidade dos Katakuris (Katakuri-ke no kôfuku)
JAPÃO - 2001 - 1h 53min
Direção: Takashi Miike
Roteirista: Kikumi Yamagishi
Avaliação:
****
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