Ménilmontant (1926) - Crítica
- João Marcos Albuquerque
- 30 de mai. de 2024
- 2 min de leitura
O início mais brutal e abrupto do cinema. Um in media res que funciona como um vórtex, um buraco negro.
O final do filme rima com o início - as cenas dos assassinatos. E a palavra rimar é precisa, já que subjaz ao filme toda uma rítmica do olhar que conjuga a Montagem Soviética com o Impressionismo francês (com boa dose de inspiração do expressionismo alemão).
Dmitri Kirsanoff era um imigrante soviético que morava em Paris. Não é de se estranhar a influência da montagem Soviética em sua obra (que parece até fazer uma homenagem ao massacre da escadaria de Odessa na cena inicial do assassinato), assim como antecipa a montagem frenética que transforma a cidade em um grande mecanismo humano em Um Homem com Uma Câmera, do Vertov. Aliás, em comparação com este último, Ménilmontant parece uma inversão da obra Vertoviana (e de um dos princípios do cinema soviético). Se O Homem com uma Câmera direcionava o olhar do homem para a cidade - do indivíduo para o coletivo - Ménilmontant direciona o olhar da cidade para o indivíduo. Se em Vertov há um processo de exteriorização, há um processo inverso de interiorização em Kirsanoff. A cidade é percebida como corruptora, degradante e depreciativa - Ménilmontant era um dos bairros mais pobres de Paris à época da filmagem.
A montagem Soviética é evidente aqui no que intercala e conecta, gerando do choque entre os planos uma imagem pervertida, degradada da vida na grande cidade. Já o impressionismo traz o teor surrealista da obra, a conotação sexual, um realismo com forte teor onírico, a atmosfera de medo e ansiedade, o psicodrama, o poder evocativo dos elementos que compõem a imagem. Vale ressaltar esse último ponto.
As vielas espremidas e claustrofobicas, a lama viscosa, a fome no banco do parque, as águas turvas que convidam ao suicídio ou ao assassinato, os espaços interiores farsescos que mais lembram um palco de teatro (aliás, os apartamentos aqui me lembraram as esquetes dos coelhos em Inland Empire, de Lynch), as sombras que ocultam, enfim, há toda uma gama de elementos expressivos dispersos pela obra que apelam para a sensorialidade, e nisso mostram também umas inspiração no expressionismo alemão - não à toa, Ménilmontant não apresenta sequer um intertítulo, levando a cabo o projeto de Murnau de contar uma história sem recursos literários, como feito em A Última Gargalhada - que tem um intertítulo no epílogo, por sinal.
Ménilmontant também traz o lírico e o melodrama de Bauer e Chaplin.
Ménilmontant é um pequeno amontoado de referências e inspirações, que alcança sua singularidade ao articular todas essas imprecações numa unidade poderosa, criando imagens assombrosas e deslumbrantes.
O filme mais parecido com Ménilmontant na década de 1920 é o japonês Pages of Madness. Vale fazer uma dobradinha.
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