Vou me deter sobre a cena final, onde temos a aparição da Fernanda Montenegro. Cena esta que funcionou para mim como a epítome dramática da obra, por um simples motivo: Montenegro já transcendeu seu ofício de atriz para se tornar o próprio cinema brasileiro.
Ao criar a cena final com a Montenegro, Walter Salles entrelaça a História do Brasil com a História do Cinema do Brasil. Acredito que passa pelo cruzamento destas Histórias o advento de um novo e esperançoso futuro para ambos.
Fernanda Montenegro estreou sua carreira cinematográfica com o filme A Falecida, em 1965, um ano depois do início da ditadura. Essa foi a primeira vez que Montenegro passou por nossas telas de cinema. Hoje, aos 95 anos, é o cinema quem passa por ela. Afinal, não vamos ao cinema para presenciar a atuação da Montenegro. Vamos ao cinema para estar na presença dela. Só a sua presença pode conjurar, mesmo que em poucos segundos de tela, o inesquecível para Eunice Paiva como tragédia de toda uma nação. Montenegro tem o poder do símbolo, capaz de conectar o destino individual de Eunice com nosso destino enquanto povo dotado de uma história coletiva. Através de Montenegro, somos todos Eunice.
O Alzheimer, que acometeu Eunice nos últimos anos de sua vida, é a doença do esquecimento. Já o cinema (a arte) mantém viva a memória.
Comments