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Foto do escritorJoão Marcos Albuquerque

Sobre Dormir Durante um Filme (Um Elogio à Soneca)

Dormir durante a exibição de um filme é considerado um ato reprovável. Mas, e se eu te disser que, em alguns casos, dormir no filme pode ser levado como um elogio pelo cineasta? Vou falar aqui sobre filmes que demandam outras recepções por parte do espectador em sua relação com a obra, diferentes da relação convencional.


Qual é a relação convencional entre espectador e filme? É aquela pautada na atenção. É esperado do espectador que ele se mantenha atento por todo o filme, atento ao desdobrar da história, aos comportamentos dos personagens, às reviravoltas na trama etc. O filme, portanto, busca manter esses espectador atento. Esse é seu desafio. Mas e se eu te falar que esse é apenas um, de muitos outros modos de recepção de um filme? Esse é o modelo convencional. Mas existem outros. Por exemplo, o filme de Warhol chamado "Sleep". O filme consiste em mais de cinco horas exibindo seu amante, John Giorno, dormindo. E é isso. Warhol disse que aqueles que desejam assistir à "Sleep" não precisam chegar no início da exibição do filme, mas podem chegar a qualquer momento. Warhol ainda incentivava os espectadores a andar pela sala, a dançar e a cantar durante a exibição. Não precisa chegar no início, nem ficar sentado, nem sair apenas ao final da sessão.


Já Tony Conrad, no curta The Flicker, encorajava os espectadores a assistirem ao filme de olhos fechados. O filme engendra uma sequência de efeitos estroboscópicos. Fechamos os olhos para evitar a violência visual. É aí que o filme ganha outros contornos. Ao fechar as pálpebras, vemos as reminiscências do que observávamos com os olhos abertos. Outras formas, cores e rostos vão surgindo.


Tá, agora vamos falar sobre o incentivo ao sono. O grande mestre iraniano, Abbas Kiarostami, incentivava abertamente o sono em seus filmes, em especial no filme "Five (2003)". Kiarostami disse que se sentiria satisfeito ao ver um espectador dormindo durante Five. "Não estou brincando. Você sabe como alguns diretores ficam chateados ao descobrir que dormiram em seus filmes. Posso dizer, tranquilamente, que você não perderia nada ao dormir em Five. O importante, para mim, é como você se sente ao final do filme, o sentimento de relaxamento que você carrega consigo após o filme. Isso que é importante".¹


O espectador que dorme assistindo à Five, portanto, absorveu o espírito do filme. Durante Five, podemos deixar nossa atenção à deriva, fazer nossa consciência entrar e sair do filme. Nas palavras de William Brown², Five é mais complexo que "Inception", de Nolan, por conta do grande número de formas com as quais o espectador pode se engajar com o filme.


Se você chegou até aqui, é porque tem interesse em saber mais sobre as relações entre filme e espectador que fogem do padrão. Esse será um dos temas ensinados no próximo cineclube sobre Slow Cinema, que está com as inscrições abertas até 9 de janeiro.






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